Introdução

Somitigos, tibiras e jimbandas: resistência lgbtqia+ descolonial

É a experiência sensorial, sobretudo a da paixão pela fotografia, mas também a experiência histórica, principalmente a que se apreende a partir dos que estão à margem, que orienta a construção dessa exposição. Através de um contorno afetivo, como também de um olhar atento pelo que suas inúmeras vivências enquanto pessoa LGBTQIA+ lhe suscita, Lipe Costa evoca junto a seus pares personagens históricos e também contemporâneos há muito silenciados.

Quando analisamos a formação sócio-histórica do Brasil percebemos como os processos coloniais moldaram e formaram o pensamento e o comportamento social sobre a comunidade LGBTQIA+. É, inclusive, a História que nos fornece pistas para conhecer as raízes antigas dessa intolerância, fundada principalmente numa moral religiosa que criminalizava (e continua a criminalizar) corpos, gêneros, sexualidades e comportamentos de alguns indivíduos, pois não aceitava variações na ordem social vigente.

Nos tempos da Colônia, o individuo era julgado pelo que fazia, sendo o pecado/crime inserido no específico status de sodomia, que por fim configurava apenas a prática de atos proibidos (GOMES, 2015). Numa sociedade organizada sobre um padrão unívoco do que é ser homem e ser mulher, o que hoje entendemos como travestismo, homossexualidade, homoerotismo, transexualidade, representava para a gênese colonial o perigo do questionamento sobre os papeis sociais estabelecidos.

Apontados como responsáveis por suscitar a ira divina, “Somitigos, tibiras e jimbandas” foram perseguidos no afã de se extirpar algo considerado abominável, passível de ser punido com a morte na fogueira.  Nesse sentido, funcionaram bem enquanto mecanismo de controle social as ações do Santo Ofício na América Portuguesa, que produziram detalhada documentação acessada hoje pela historiografia para recompor a vida dos sodomitas durante o passado colonial.

Importante apontar que o exercício da sexualidade que destoava do ato de procriar e povoar, objetivo primeiro dos descendentes de Abraaão, configurava uma ameaça desestabilizadora a toda cristandade e seu projeto colonial. Aqui, inclusive, inseridos os pressupostos que organizaram a família patriarcal e o conceito de santidade, no qual é necessário manter distintas as categorias da criação. Indo de encontro a tudo isso, os praticantes dos atos sodomíticos, entre eles escravos, representantes da classe senhorial, clérigos, mulheres e índios, desejosos de gozar seus prazeres inauguraram também em terras brasilis comportamentos e condutas revolucionárias e desestabilizadoras para não deixarem de ser o que sentiam que eram.

Portanto, esse é um trabalho artístico que referencia as histórias dos “filhos da dissidência” (MOTT, 2001) desenvolvendo uma crítica aos processos de colonização que os estigmatizaram. Constitui-se também enquanto caminho decolonial a ser protagonizado por outros corpos dissidentes que, na contemporaneidade, entendem sua própria existência enquanto potência para a transformação social.

Nana Luanda Martins Alves
Graduada em História pela UNEB
Mestra em História regional e local
Membra do GEPEA- Grupo de estudantes e pesquisas sobre Alagoinhas
Professora do Ensino Médio

APOIO FINACEIRO

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